ARTIGOS
Resignificando a luta. Ampliando a resistência. “Por nenhum direito a menos”
Nossa luta na segunda década do século 21 é pela garantia dos direitos constitucionais, mas também quer chamar a atenção para as novas realidades da aids neste tempo.
01/11/2019 às 23:25:21
Durante três dias ativistas vivendo com HIV e aids das cinco regiões do país se reuniram em São Paulo, no VIII Encontro Nacional da RNP+ Brasil com o objetivo de discutir os rumos que devemos tomar, enquanto movimento, em relação às políticas de aids.
Participar deste Encontro Nacional confirmou o que venho observando nos vários encontros de PVHA (Pessoas Vivendo com HIV e Aids) e do Movimento Aids que tenho participado ultimamente. A necessidade de além da questão política abordarmos com mais tempo, questões sociais, especialmente, sobre o viver com HIV na quarta década da epidemia. Percebo que uma das grandes demandas das PVHA é a existência de espaços coletivos onde se possa falar, ser escutado e buscar estratégias de apoios para conseguirem sobreviver diante das violações de direitos e de políticas públicas mínimas e de retrocessos que estamos enfrentando. Temos que ressignificar os espaços políticos para além de lugares somente de discussões de dados estatísticos, que escondem os aspectos humanos que cada número representa. Por trás dos gráficos existem cidadãos e cidadãs, pagadores de impostos, pessoas que sonham, amam, sofrem, vivem e lutam cotidianamente contra o preconceito, estigma e por qualidade de vida.
Nos anos 1990, no Rio de Janeiro, existia uma bandeira de luta chamada “A gente não quer só remédio”. Desde aquela época o somatório de questões envolvendo a busca por uma vida melhor ia além da distribuição de comprimidos, se ampliava em questões de acesso ao mundo do trabalho digno, da saúde integral, da educação, da cultura, segurança, habitação, lazer e outras áreas imprescindíveis para uma qualidade de vida. Passados mais de 30 anos de ativismo constante nota-se que atualmente estas demandas cresceram merecendo mais atenção e reivindicação. Hoje a distribuição de ARV’s acontece, mas a fome e a pobreza avançam drasticamente, fortalecendo as desigualdades, as injustiças, e impactando no tratamento. O preconceito e o estigma crescem no meio rural, nos interiores dos estados, e também no meio urbano levando a segregação e a morte. A falta de políticas integradas elimina as pessoas por conta das doenças oportunistas ou as coinfecções como a tuberculose. O crescimento do uso abusivo de álcool e outras drogas é uma realidade constante entre nós PVHA, faltando ações conjuntas que não mirem a moralidade e o aprisionamento.
Nossa luta na segunda década do século 21 é pela garantia dos direitos constitucionais, mas também quer chamar a atenção para as novas realidades da aids neste tempo. É impossível dissociar-se de bandeiras como a luta pela defesa do SUS, linhas de cuidado integral para nós PVHA, prevenção positHIVa e autoestima, fortalecimento do ativismo e da participação em espaços de controle social, a discussão sobre novas tecnologias de prevenção e propriedade intelectual, e a interligação da aids, TB e Hepatites Virais com a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Temas estes discutidos no VIII Encontro da RNP+ Brasil.
Vivemos num mundo globalizado e integrado que tem exigido ações conjuntas para o equacionamento das problemáticas amplas. Hoje falar de aids é bem mais do que falar de saúde, mas se amplia no conceito de qualidade de vida e de educação para a diversidade e o convívio harmônico entre opostos. Não podemos deixar que os fundamentalistas e conservadores fortaleçam ações que promovem constantemente mais exclusão, estigma e preconceito.
Temos grandes desafios pela frente que somente avançarão se houver unidade nas ações, união de Redes de PVHA, união de segmentos sociais que congregam o Movimento Nacional de Luta contra Aids, e estas reverberarem em mobilização que chame a atenção da sociedade em geral. Mais do que ontem, hoje temos que pensar coletivamente como parar os retrocessos e as retiradas de direitos que estão postas.
Nós ativistas temos que colocar para fora o espírito de revolta e de luta que tivemos quando nos organizamos e foi realizado o primeiro ENONG. Brigarmos para continuarmos vivos e vivas, mas também pela construção de um porvir melhor para os/as que virão, deixando a eles e a elas um legado de resistência e um exemplo de luta.
Temos que revolucionar no enfrentamento ao HIV e a aids.
Jair Brandão é Secretário de Articulação Política da RNP+ Brasil